Acompanhar a sequencia de desgraças deste grupo, é emocionante e surpreendente. É o que vamos continuar sabendo no livro LIBERTAÇÃO de André Luiz, capítulo 10, Em Aprendizado, que estamos estudando.
“…Saldanha fez pequeno intervalo, acentuando a expressão de profundo rancor, e prosseguiu: – Descrever-lhe o que foi minha dor é alguma coisa de impraticável à capacidade verbal. Jorge recebeu dolorosa pena, quando seu corpo vacilava sob maus tratos, e Irene, minha nora, conturbada pela necessidade e pelo infortúnio, esqueceu as obrigações de mãe, suicidando-se para imantar-se ao espírito de meu pobre filho, já de si mesmo tão infeliz. Torturada pelos sucessos aflitivos, minha esposa desencarnou num catre de indigência, reunindo-se, por sua vez, ao angustiado casal. Minha neta, hoje menina e moça, mas ameaçada por incerto porvir, atende a serviço doméstico, aqui mesmo nesta casa, onde tresloucado irmão de Margarida procura arrastá-la sutilmente a grave desvio moral. O juiz, que aqui preside à assembléia familiar, recebendo-me em sonho as promessas de vingança, buscou colocá-la junto aos próprios parentes, empenhado em reparar de algum modo o seu crime; no entanto, apesar disso, meu desforço não se fará menos enérgico…”
Não existe acaso nem na desgraça, nem nas nossas relações humanas. O juiz que condenou o jovem, é pai da Margarida, perseguida pelos espíritos vingadores. O chefe preparado para destruir Margarida, é pai do rapaz que foi preso injustamente e avô da empregada doméstica desta residência.
“… Surpreendido, notei que o nosso orientador não ensaiava qualquer doutrinação. Pousando olhos cheios de simpatia no interlocutor, murmurou apenas: – Realmente, a sementeira de dor é das que mais nos afligem… Encorajado pelo tom amigo daquela frase, Saldanha prosseguiu: – Muita gente convida-me à transformação espiritual, concitando-me ao perdão estéril. Não aceito, porem, qualquer alvitre desse jaez. Meu desventurado Jorge, sob a pressão mental de Irene, dilacerada, e de Iracema, oprimida, não resistiu e perturbou-se. Enlouquecendo no cárcere, foi transferido da cela úmida para misérrimo hospício, onde mais se assemelha a um animal encurralado. Acredita possa meu cérebro dispor de recursos para meditar em compaixão que não recebi de pessoa alguma? Enquanto esses quadros permanecerem sob meus olhos, não abrirei minha alma às sugestões religiosas. Estou simplesmente diante da vida. A sepultura apenas derruba o muro da carne, porquanto nossas dores continuam tão vivas e tão contundentes quanto em outra época, quando suportávamos a caixa dos ossos. Foi nesse estado que o sacerdote Gregório me encontrou e agradou-se de minhas disposições íntimas. Necessitava de alguém, de alma suficientemente endurecida, para presidir à retirada técnica desta moça que ele deseja arrebatar, devagarinho, à existência terrestre, e louvou-me o ânimo firme. Quase sempre dispomos de servidores em massa para os cometimentos retificadores. Mas não é fácil encontrar um companheiro decidido a perseverar na vingança até ao fim, com o mesmo ódio do princípio. Observou que eu lhe atendia a exigência e confiou-me a tarefa….”
Quem quer se dedicar à assistência da desobsessão, precisa saber e entender os intrincados laços que unem, reúnem, os personagens que atestamos em dor, em perseguição espiritual.
Aqui temos três situações gravíssimas reunidas, a fortalecer os motivos da vingança. A mãe e a esposa do jovem encarcerado, enlouquecem, acoplam na sua mente, e o enlouquece também. Ele sai da prisão comum e passa a ser um condenado perpétuo de um hospício. Um estrago mental que provavelmente deixará consequências por muitas outras reencarnações.
A segunda situação, de difícil solução, é a sedução do chefão Gregório, sobre aquele espírito revoltado, como o coração cheio de vontade de vingança. Perfeito para se tornar um agente seu para destruir a Margarida. O Saldanha é treinado, instruído para se tornar um perfeito perseguidor obsessor. Ele sabe perfeitamente fazer o que foi chamado para fazer.
Num trabalho de desobsessão, não basta boa vontade, ou confiar que o plano espiritual de protetores da Casa ou do Trabalho, será suficiente para mudar este estado de coisa. É preciso muito, mas muito mais, para começar a modificar uma situações de obsessão. Uma sugestão para quem quer aprender mais sobre como ajudar de verdade na desobsessão sugerimos todos os livros de Luiz Gonzaga Pinheiro.
O terceiro fator que agrega mais problemas nas relações entre encarnados e desencarnados são as pessoas reunidas. É a desgraça se reunindo à mesa todos os dias das suas vidas. O juiz que condenou covardemente, é pai da Margarida, perseguida covardemente, por um técnico em obsessão que age covardemente, aliciado por um líder que o engana, dizendo que vai ajuda-lo, também de forma covarde.
“…Passeando colérico olhar pelos ângulos da câmara de repouso, acentuou: – Todos aqui pagarão. Todos… Admirado, fitei Gúbio que se mantinha imperturbável, silencioso. Fora eu, e talvez me desbordasse em comentários extensos e tirânicos, com referência à lei do amor que nos governa os destinos; reclamaria, com ênfase, a atenção do perseguidor para os ensinamentos de Jesus e, se possível, dobrar-lhe-ia a língua indisciplinada e insolente. O instrutor, contudo, assim não procedeu. Sorriu, mudo, buscando disfarçar a própria tristeza. Dois ou três minutos rolaram, longos, entre nós….”
Menos conversa, discurso, bla, bla, blá, tentativas de se mostrar no caminho certo, ensinando o outro que está no caminho da perdição. De boa intenção, o inferno está cheio.
“…Mostrava o relógio um quarto para meio-dia, quando alguns passos se fizeram ouvidos. – É o médico – elucidou Saldanha, com manifesta expressão de sarcasmo –; debalde, porém, procurará lesões e micróbios… Quase no mesmo instante, um cavalheiro de idade madura penetrou o recinto, em companhia de Gabriel, o esposo da vítima. Abeirou-se da enferma, afagou-a gentil e pronunciou algumas palavras de encorajamento. Margarida, em vão, buscou sorrir. Faltavam-lhe forças para tanto. A conversação ia a meio, quando uma entidade, evidentemente bem intencionada, compareceu. Viu-nos e demonstrou compreender-nos a posição, porque fixou em nós cauteloso olhar sem dizer palavra, acercando-se do médico, solicitamente, qual se lhe fora dedicado enfermeiro. O especialista não parecia profundamente interessado no caso, mas, ao auscultar Margarida, entregue a torpor inquietante, conversou com o marido da vítima de maneira superficial. Declarou que a jovem senhora, em sua opinião, certamente se mantinha sob o império da epilepsia secundária e que, em última análise, se socorreria da colaboração de colegas eminentes para submetê-la a exame particularizado da lesão cérebro-meníngea, seguido, possivelmente, de intervenção cirúrgica aconselhável. Em seguida, porém, observei que a entidade espiritual recém chegada e que o assistia, com desvelo, pousou a destra em sua fronte, como se desejasse transmitir-lhe algum alvitre providencial. O médico relutou bastante, mas ao cabo de alguns minutos, constrangido por sugestão exterior que não saberia compreender exatamente, convidou Gabriel a um dos ângulos do quarto e lembrou: – Porque não tenta o Espiritismo? Conheço ultimamente alguns casos intrincados que vão sendo resolvidos, com êxito, pela psicoterapia… E para não dar ideia de uma capitulação científica, ante o idealismo religioso, acrescentava: – Segundo sabemos hoje, à saciedade, a sugestão é uma força misteriosa, quase desconhecida. O esposo da enferma recebeu o conselho, com simpatia, e perguntou: – Poderá orientar-me suficientemente? O psiquiatra recuou, de algum modo, e obtemperou: – Bem, não disponho de maior trato com os expoentes do assunto, todavia, segundo acredito, não terá dificuldades para experimentar. Logo após, deixou ali algumas indicações escritas, relacionando drogas e injeções, e dispôs-se a sair, sob o riso escarninho de Saldanha, que dominava amplamente a situação….”
Esta entidade que intuiu o médico, é um amigo que o acompanha na sua trajetória dentro da medicina. Todos os médicos, que cuidam da dor humana, acreditando ou não, recebem ajuda e proteção de amigos espirituais. Ao longo da narrativa, fica mais explicado.
Vamos fazer uma síntese, para não nos estendermos muito. Este médico ficou viúvo. Sua falecia esposa, não saiu da casa. “…A residência, confortável, não obstante o formoso jardim que a circundava, permanecia transbordante de fluidos desagradáveis. O clima doméstico era perturbador…. Homem inteligente, mas muitíssimo arraigado à remuneração dos sentidos, o nosso amigo não suportou a viuvez e desposou, há cinco anos, uma jovem que lhe exige pesado tributo à maturidade respeitável. Acontece, também, que a esse problema acresce questão muito grave: a primeira esposa desencarnada deixou dois rapazes e permanece ligada à organização doméstica, que considera sua propriedade exclusiva…. Por mais que o nosso trabalho se acentue, ainda não conseguimos retirá-la, com proveito, da casa, porque o pensamento dos filhos, em conflito com o pai e com a madrasta, lhe invoca a atuação, de minuto a minuto. O duelo mental nesta casa é enorme. Ninguém cede, ninguém desculpa e o combate espiritual permanente transforma o recinto numa arena de trevas…”
A casa, o Lar, é um saco de gatos. Sem prece, muito materialismo, e um espírito grudado e provocando brigas. Já imaginou um médium, cheio de amor para dar, resolver ir nesta casa fazer orações, firme na Fé que a oração pode tudo… É perigoso para médiuns, querer sair por aí, levando prece nos lares, acreditando que as pessoas que lá residem, querem de fato mudar, melhorar, transformar atritos, em paz, buscando o amor como norte de vida. Quem vê cara, não vê coração.
O protetor do médico explicou… “– Tenho trabalhado tanto quanto me é possível – explicou o novo companheiro –, a fim de ambientar aqui o espiritualismo de ordem superior. Achamo-nos, entretanto, num campo imensamente refratário…. Nesse instante, o médico transpôs o limiar e Maurício colocou sobre a fronte dele a destra generosa, buscando fornecer-lhe intuições…. O filho atacou o genitor com recriminações acerbas, em vista de se haver demorado excessivamente para o almoço. O esculápio depressa desligou a mente de nossos fios invisíveis, precipitando-a no torvelinho das vibrações antagônicas. A esposa desencarnada veio igualmente sobre ele, furiosamente. Reparei que o dono da casa não lhe assinalou os punhos ativos no rosto, mas o sangue concentrou-se-lhe na região das têmporas, tingindo-se-lhe a máscara fisionômica de cólera indisfarçável. Resmungou algumas palavras, saturadas de indignação, e perdeu, de todo, o contato espiritual conosco….”
Se você pensa que já é muito, veja a situação da nova esposa do médico… “Nesse ínterim, a pequena família se reuniu, ao redor da mesa posta, e a segunda esposa do médico me impressionou pelo apuro da apresentação. A pintura do rosto, sem dúvida, era admirável. O traje elegante e sóbrio, as joias discretas e o penteado harmonioso realçavam-lhe a profundeza do olhar, mas rodeava-se ela de substância fluídica deprimente. Halo plúmbeo denunciava-lhe a posição de inferioridade. Socialmente, aquela dama devia ser das de mais fino trato; contudo, terminado o repasto, deixou positivamente evidenciada sua deplorável condição psíquica. Depois de uma discussão menos feliz com o marido, a jovem mulher buscou o sono da sesta, num divã largo e macio. Intencionalmente, Maurício convidou-me a espreitar-lhe o repouso e, com enorme surpresa, aturdido mesmo, não lhe vi os mesmos traços fisionômicos na organização perispiritual que abandonava a estrutura carnal, entregue ao descanso. Alguma semelhança era de notar-se, mas, afinal de contas, a senhora tornara-se irreconhecível. Estampava no semblante os sinais das bruxas dos velhos contos infantis. A boca, os olhos, o nariz e os ouvidos revelavam algo de monstruoso. A própria esposa desencarnada, ali presente em clamorosa revolta, não se animou a enfrentá-la. Recuou semi-espavorida, tentando ocultar-se junto do filho…”
Veja que às vezes sabemos que ficamos feios, quando amuados, nervosos, revoltados, ou cansados. Aqui descobrimos que podemos fica muito pior e repugnantes. É para refletir muito sobre isto. Qual é a nossa verdadeira aparência?
“…Lembrei-me, então, do livro em que Oscar Wilde nos conta a história do retrato de Dorian Gray. – Sim, meu amigo – disse, tolerante –, a imaginação de Wilde não fantasiou. O homem e a mulher, com os seus pensamentos, atitudes, palavras e atos criam, no íntimo, a verdadeira forma espiritual a que se acolhem. Cada crime, cada queda, deixam aleijões e sulcos horrendos no campo da alma, tanto quanto cada ação generosa e cada pensamento superior acrescentam beleza e perfeição à forma perispirítica, dentro da qual a individualidade real se manifesta, mormente depois da morte do corpo denso. Há criaturas belas e admiráveis na carne e que, no fundo, são verdadeiros monstros mentais, do mesmo modo que há corpos torturados e detestados, no mundo, escondendo Espíritos angélicos, de celestial formosura. E designando a infeliz que se ausentava de casa, semi-liberta do veículo material, acentuou: – Esta irmã desventurada permanece sob o império de Espíritos gozadores e animalizados que, por muito tempo, a reterão em lastimáveis desequilíbrios. Acreditamos que ela, sem fé renovadora, sem ideais santificantes e sem conduta digna, não se precatará tão cedo dos perigos que corre e somente se lembrará de chorar, aprender e transformar-se para o bem, quando se afastar, em definitivo, do vaso de carne, na condição de autêntica bruxa. O assunto era realmente fascinante e a lição era imensa. Entretanto, meu tempo disponível esgotara.”
Continua….